segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Novas Lembranças

 

  • Filho, vai brincar um pouco do lado de fora. Disse a mãe passando em frente a sala, enquanto carregava uma bolsa com certa dificuldade.


O menino fez como se não tivesse escutado e continuou com os olhos vidrados na tela colorida.


  • Filho... Disse respirando fundo. Lucas! Advertiu a mãe com um pouco menos de paciência, enquanto desligava a televisão.

  • Ah não, mãe! Reclamou o menino.

  • Chega! Desse jeito você vai ficar vesgo! Vai brincar lá fora, vai no parquinho, respira um ar puro, não sei, mas televisão agora não! Disse atravessando a sala e finalmente livrando-se do peso da bolsa em cima da mesa de jantar.


O pai estava sentado na mesa, enquanto lia as notícias no seu laptop.


  • Desse jeito você que vai ficar vesga… Comentou ao olhar a papelada dentro da bolsa da esposa. 

  • O que você quer que eu faça? Essas provas não vão se corrigir sozinhas. Respondeu enquanto sentava e separava a papelada. Você bem que podia me ajudar e lavar umas louças, passar umas roupas, sei lá. Disse, cada vez mais vermelha, agora separando os papéis ferozmente.

  • Acabei de acordar, Camila! Me dá um tempo. Respondeu o marido. 

  • E daí? Seu braço vai cair se me ajudar um pouco?

  • Hoje é sábado! Relaxa... Respondeu enquanto bebia um longo gole de café.

  • Ahh… Adorei, Eduardo! Disse ironicamente. Você fala como se, no sábado, todas as nossas responsabilidades fossem magicamente zeradas!


A mãe estava cada vez mais nervosa e o casal continuou a trocar farpas sobre problemas não muito relevantes. O filho, ao escutar a discussão dos pais, alcançou o controle remoto e ligou a televisão novamente no som máximo.

Alguns segundos depois, os pais perceberam o que o filho tinha acabado de fazer, e perceberam que enquanto ele olhava a tela da televisão, apertava os ouvidos com as mãos até as bochechas ficarem rosadas de tão apertadas. 

A mãe encheu os pulmões de ar por alguns segundos com a intenção de dar uma bela bronca no filho, mas o pai a interrompeu imediatamente ao fazer um breve gesto de espera.

O pai levantou, buscou o controle remoto, desligou a televisão, ajoelhou diante do filho e disse sorrindo:


  • Hoje é sábado. Sabe o que isso quer dizer?


O menino escorregou as mãos pelas bochechas observando o pai. Seus olhos estavam vermelhos e sua respiração estava curta. Ele respondeu fazendo que não com a cabeça.


  • Hoje é dia de picnic na lagoa. Respondeu animado. E hoje eu vou te ensinar a andar de skate!


O menino abriu um sorriso e abraçou o pai. 

  • Você promete, pai?

  • Prometo. Respondeu bagunçando o cabelo do filho.

  • Ótimo. Assim eu posso ter um pouco de paz nessa casa. Disse a mãe, enquanto organizava a sua papelada.

  • Não senhora. Advertiu o pai. Você foi intimada a comparecer ao nosso picnic!

  • Eduardo, não começa vai. Replicou impaciente.

  • Por favor, mamãe… Suplicou o filho.


A mãe olhou para o menino e para o esposo e revirou os olhos.

  • Eu não acredito nisso… Mas eu preciso estar de volta às 17h da tarde!


Os três saíram de casa em direção a lagoa carregando uma enorme cesta de picnic. O dia estava ensolarado e a lagoa estava repleta de crianças brincando, jovens fazendo exercícios físicos, famílias de todas as idades aproveitando o sábado de sol, enquanto caminhavam em meio a turistas e cariocas. 

O pai avistou um lugar vazio na grama para estender a canga de picnic e os três organizaram um belo banquete.


  • Modéstia parte, esse lanche está me dando água na boca. Disse Eduardo enquanto aproveitava o cheiro dos quitutes estendidos.

  • Hummm, eu amo sanduíche de geléia, disse o menino suspirando.

  • Olha filho, disse a mãe apontando para cima. Uma borboleta azul!


A borboleta voou até pousar lentamente no sanduíche do menino e se exibir por alguns segundos antes de voar novamente.


  • Uau ... contemplou o menino. Eu nunca tinha visto uma borboleta tão perto! Ela é muito linda!

  • Sim. A mãe concordou sorrindo.


Há poucos metros dali, um casal começou a tocar uma música no violão e a mãe olhou surpresa para o pai.

  • Lembra dessa música? Disse o pai sorrindo.

  • Como eu poderia esquecer? Respondeu a mãe com o rosto corado.

  • Que música é essa? Perguntou o menino enquanto sugava um suco de caixinha.

  • Essa é a música que estava tocando no restaurante no dia que a sua mãe me contou que estava grávida de você. Disse o pai sorrindo.

  • E sabe o que o seu pai fez? Continuou a mãe. Ele ficou tão feliz que me tirou pra dançar!


O menino sorriu ao ver o pai estendendo a mão em direção a mãe. Sua mãe olhou para os lados, mas eventualmente cedeu ao gesto e segurou a mão do pai. Os dois começaram a dançar lentamente ao som do violão. Ao final da música, perceberam que mais quatro casais também estavam dançando e todos aplaudiram.


  • Pai, me ensina a andar de skate agora? Perguntou o menino animado.

  • Sim senhor! Respondeu prontamente.

O pai ensinou o filho a ficar em pé no skate, e depois de algumas tentativas e leves tombos, o menino já conseguia ensaiar um deslize perfeito pelo calçadão da lagoa.

  • Uhull. Comemorou o menino. Olha mãe!!

A mãe aplaudiu e sorriu. Fechou os olhos por alguns segundos e pode sentir a sensação de calor que o sol transmitia ao tocar no seu rosto misturado com a briza do vento que trazia um frescor leve e refrescante. Respirou fundo e pode sentir uma tranquilidade que há tempos não sentia.

  • Olha mãe, um macaquinho! Disse o filho apontando para um pequeno mico curioso que os observava de cima de uma árvore.

  • Que bonitinho. Respondeu a mãe. Nossa, há muitos anos que não via um mico!

  • Quer dar uma banana para ele? Perguntou o pai.

  • Sim!! Respondeu o filho prontamente.

Os dois alimentaram o mico e observaram ele se deliciar ao provar a banana madura. Os três aproveitaram o resto do dia ensolarado em meio a natureza, enquanto escutavam música e saborearam o picnic.

  • Querida, já são 17:30, observou o marido preocupado.

  • Não tem problema. Respondeu a esposa tranquilamente. Amanhã eu corrijo as provas, vamos aproveitar o resto do dia.

O esposo sorriu aliviado.

  • Filho, hoje vamos pedir delivery de comida para jantar! O que o senhor gostaria de comer? Perguntou o pai enquanto fazia cosquinhas no filho.

  • Pizza!!! Gritou o menino animado.


Os três voltaram para casa naquela noite estrelada, totalmente reenergizados. Prometeram um ao outro que fariam um programa parecido pelo menos uma vez na semana e agradeceram pelo dia incrível que tiveram juntos em família. Enfim, puderam perceber o que realmente era importante. Não eram longas horas de trabalho ou ficarem horas atrelados ao computador ou a televisão, e sim o tempo que passavam juntos em família, era isso que realmente importava. 


FIM


quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Anjo Gabriel



Era uma vez, um anjinho muito bonitinho. Seu nome era Gabriel, e hoje era o seu aniversário de 10 anos no céu. Gabriel tinha os olhos verdes e amarelados como um gato e os cabelos pretos enrolados. Como presente de aniversário, seu tio, Pedro, prometera dá-lo a sua primeira responsabilidade como Anjo da Guarda. Há tempos que Gabriel pedia a seu tio um presente como aquele, mas o anjo mais experiente sabia que não era uma tarefa fácil.


  • Parabéns anjo Gabriel! Finalmente chegou o grande dia! Hoje você vai virar oficialmente o anjinho da guarda de duas crianças. Disse seu tio orgulhoso, enquanto anunciava a grande surpresa.


Gabriel arregalou os olhos e começou a dar vários pulinhos de alegria entre as nuvens.


  • Eu não acredito! Eu, Gabriel o anjo da guarda de duas, DUAS crianças!!! Uhuuulll. Comemorava jogando as nuvens para o alto, enquanto estufava o peito orgulhoso de si mesmo. 

  • Sim. Afirmou o tio enquanto ria timidamente da reação do sobrinho. Agora preste bem atenção no que eu vou te dizer. 


Gabriel parou de pular para prestar a atenção na explicação do tio.


  • A garotinha se chama Beatriz e o seu irmão se chama João. Os dois vão para a escola todos os dias a pé, mas recentemente um novo vizinho se mudou para lá com um Pitbull…

  • O que é um Pitbull? Perguntou o anjinho atento.

  • Pitbull é um tipo de cachorro. Respondeu o tio.

  • Ahhh eu amo cachorrinhos!! Disse o anjinho animado.

  • Eu também...a verdade é que a maioria dos cachorrinhos são bonzinhos, mas esse não é. Afirmou o tio preocupado.

  • Não é? Por que? Perguntou o anjinho.

  • Porque infelizmente...quando o dono trata o cachorrinho mal, ele pode ficar muito bravo. E é esse o caso. O dono desse Pitbull é uma pessoa muito ruim, e por isso o cachorrinho ficou bravo.

  • Tadinho -- Lamentou Gabriel.

  • Eu preciso que você acompanhe a Beatriz e o João até a escola, porque pelo que vi, o vizinho deixou o Pitbull solto pela vizinhança e não é seguro para as crianças. Entendeu?

  • Sim senhor! Respondeu o anjinho prontamente.

  • Ótimo. Agora vá se preparar.


Gabriel deu um pulo e disse:


  • Estou pronto, tio!

  • Última coisa- disse o tio antes de abrir o portal entre o céu e a Terra. Não se esqueça que isso é um teste. Depois que tudo der certo, você será oficialmente promovido a Anjo da Guarda.

  • Sim senhor! Respondeu o anjinho.

Num passe de mágica, Pedro tocou o seu grande cajado duas vezes no chão e em sua frente, apareceu o grande portal dourado.


  • U-a-U -- exclamou Gabriel.

  • Boa sorte. Disse o tio.


Gabriel entrou no portal e, em menos de um segundo, estava em frente a uma casa. A parte de fora da casa era de tijolinhos e entre as frestas tinha várias plantas que subiam até as janelas e coloriam a casa inteira de verde. De repente, pode avistar duas crianças saindo da casa com as mochilas da escola.


  • Boa aula, meus amores. E não esqueçam de comer o lanche todinho eihn. Disse a mãe, enquanto se despedia de Beatriz e João.


As duas crianças começaram a andar pela rua calmamente e Anjinho Gabriel foi atrás.


  • Bia, você quer fazer uma aposta? Perguntou João.

  • Ah João, não começa vai… respondeu a menina já sem paciência para os jogos do irmão.

  • É sério, Bia! Olha, disse apontando para uma casa no final da rua. Eu aposto que você não consegue correr mais rápido do que eu até aquela casa.

  • Você acha que eu sou mais devagar do que você? Retrucou a menina.

  • Eu aposto que eu sou mais rápido!

  • Então tá bom! Vamos lá. Disse Beatriz se preparando para iniciar a corrida.

  • Um...dois...Contava João lentamente.

  • Rrrrrrrrrrrr.


As duas crianças escutaram o rosnar de um cachorro e paralisaram imediatamente. Anjinho Gabriel, que estava atendo a aposta, nem tinha percebido o cachorro logo atrás deles, virou para trás para entender o que estava acontecendo e se deparou com um enorme e assustador Pitbull mostrando os dentes. Gabriel deu um pulo para trás.


  • Oi cachorrinho, tudo bem? Disse o anjinho, enquanto suas pernas tremiam de medo. Vá já embora, aqui não tem nada para você. 


Infelizmente o cachorro ignorou o anjinho como se não tivesse ninguém ali e mais uma vez rosnou ferozmente.


  • João -- sussurrou Beatriz. Tenta pegar o meu lanche que está dentro da minha mochila e dá pra ele.


João não conseguia se mexer e, como era de costume, fez xixi nas calças de medo. Imediatamente, o anjinho, ao escutar o pedido da menina, abriu a sua mochila e o seu lanche caiu no chão. O cachorro levou um susto ao escutar a lancheira cair no chão e deu um pulo para trás apreensivo. A menina começou a se abaixar calmamente para abrir a lancheira, mas o cachorro se assustou novamente e partiu para cima das crianças. As duas começaram a correr o mais rápido que podiam, enquanto o cachorro as perseguia ferozmente.

  • Ai meu Deus! E agora? Exclamou o anjinho desesperado.


O Anjinho teve a ideia de molhar um pouco o chão com sabão e o cachorro começou a patinar, o que ele não imaginou era que as crianças também caíram no chão e deslizaram rua abaixo.


  • OPS! Disse o anjinho ao perceber o que tinha feito.


No final da rua, havia uma feira, onde vários comerciantes estavam vendendo frutas frescas, como era de costume nas sextas-feiras. De repente, uma senhorinha observou as duas crianças escorregando rua abaixo e logo atrás o cachorro, se aproximando rapidamente da feira.


  • Cuidado! Alertou a velhinha para os feirantes. 


O Anjinho imediatamente fez com que todas as caixas de papelão da feira ficassem empilhadas para que ninguém pudesse se machucar. Dois segundos depois, Beatriz, João e o cachorro bateram nas caixas de papelão com força total. Todas as pessoas da feira correram para ajudar, mas graças ao anjinho, ninguém se machucou. O cachorro ficou totalmente tonto e saiu cambaleando entre as pessoas.


  • Meu Deus! Exclamou a senhorinha. Vocês estão bem? Perguntou preocupada para as crianças.

  • Sim -- respondeu João. A gente estava fugindo de um cachorro!

  • Nossa! O anjinho da guarda de vocês estava atento hein. Ainda bem que vocês bateram nas caixas de papelão e ninguém se machucou. Disse a senhora aliviada. Alguém pega esse cachorro! Gritou a senhora.


Um outro senhor pegou rapidamente o cachorro que ainda estava se recuperando.


  • Eu sei de quem é esse Pitbull. Disse o senhor. Vou levá-lo para casa e dar uma bela bronca em seu dono! Disse o senhor.


As duas crianças levantaram-se calmamente do chão, enquanto se recuperavam do susto.


  • Aposto que foi o meu anjinho da guarda que salvou a gente. Disse Beatriz para o irmão.

  • Claro que não! Aposto que foi o meu! Retrucou o irmão.

  • O seu? Você tava fazendo xixi na calça, João! Implicou a irmã.


De repente o anjinho foi puxado para cima e quando viu, estava no céu diante de seu tio.


  • Tio Pedro, eu sei que o Senhor deve estar muito desapontado comigo. Disse enquanto olhava para baixo.

  • Desapontado? Por que? Perguntou o tio surpreso.

  • Você não está bravo? Perguntou o anjinho receoso.

  • Por que estaria bravo? Você salvou as duas crianças do cachorro. Fez um ótimo trabalho! Poderia ter sido um pouco mais discreto, mas foi a sua primeira vez. É a prática que leva a perfeição, e é assim que se aprende.

  • Jura? Perguntou o anjinho arregalando os olhos. Você viu tio? Como eu fiz? Eu joguei sabão e o Pitbull fez PUM, escorregou no chão e…


O anjinho continuou a contar a história nos mínimos detalhes para o tio, enquanto rolava e encenava teatralmente entre as nuvens o que tinha acabado de acontecer. Como havia prometido, o tio nomeou o Anjinho a Anjo da Guarda oficial dos irmãos e a noite no céu foi de festa.


FIM